No primeiro ano de mandato, deputados federais gastaram R$ 79 milhões de dinheiro público para autopromoção, um valor recorde considerando a série histórica. O valor, que não inclui o mês de dezembro, foi usados principalmente com a impressão de panfletos. As informações foram publicadas no jornal Estado de São Paulo.

A cifra representa mais de um terço do total de R$ 216 milhões usado por eles com a cota parlamentar, destinada a custear os mandatos e cobrir despesas com gasolina, aluguel de carros, serviços de telefonia, alimentação e passagens aéreas, além de divulgação do mandato parlamentar.

Os deputados que mais gastaram com divulgação aplicaram o dinheiro principalmente na impressão de conteúdos “informativos”, sem a necessidade de especificar o conteúdo para a Câmara e pagando centenas de milhares de reais para gráficas. Basta apresentar a nota fiscal que o reembolso é feito.

O Estadão encontrou deputados que gastaram quase toda a cota parlamentar apenas com divulgação do mandato. É o caso da deputada dra. Alessandra Haber (MDB-PA), líder do ranking da autopromoção. Ela enviou R$ 445,8 mil — 90% de toda a cota que ela gastou neste ano — para essa finalidade.

De uma única empresa, a deputada comprou 270 mil panfletos ao custo de R$ 278,6 mil. A Câmara a ressarciu integralmente pelos gastos.

Alessandra foi a deputada federal mais votada no Pará em 2022 e está no primeiro mandato. Ela recebeu recebeu 258.907 votos. Até agora, apresentou 15 projetos de lei. Nenhum deles foi aprovado. Entre as propostas, a deputada quer criar a Rota Turística da Região do Salgado e a Rota Turística dos Saberes Amazônicos, ambas no Estado do Pará.

Nos primeiros meses, ela apenas investia R$ 15 mil mensais para a gestão de seu perfil nas redes sociais. A partir de maio, porém, ela começa a pedir reembolso pela confecção de dezenas de milhares de panfletos para divulgar seu mandato. Naquele mês, por exemplo, gastou R$ 60 mil com auto divulgação. Mais da metade desse valor, R$ 39,9 mil, serviu para pagar 30 mil informativos de 8 páginas.

A deputada não anexa na nota fiscal o conteúdo dos informes, nem é obrigada a fazê-lo. Bem como não é possível saber para quem ela envia o material.

Desde então, a compra padronizou-se com a mesma empresa. Em todos os meses depois de maio, ela adquiriu 40 mil materiais informativos, em folhas 4×4 em papel couchê, 170 grama, nas dimensões 43x32cm, a R$ 39,2 mil.

Ao Estadão, Alessandra disse que os gastos com a divulgação de sua atividade parlamentar “estão dentro dos limites estabelecidos pela Câmara dos Deputados”. “São fundamentais para o exercício do mandato, um dever e um direito, no sentido de prestar contas do trabalho exercido à população”, afirmou.

O deputado Gildenemir de Lima Sousa, conhecido como Pastor Gil (PL-MA), é o segundo no ranking. Ele destinou R$ 437,9 mil para a autopromoção, o que representa 86% de toda a sua cota parlamentar e 94% dos R$ 464,2 mil que ele gastou para se reeleger deputado, em 2022.

A maior parte do gasto de Gil para se autodivulgar também foi com panfletos. Ele gastou, em uma única empresa, R$ 297 mil para imprimir 114 mil panfletos. Valor totalmente ressarcido pela Câmara. Procurado, o gabinete informou que o pastor está de licença médica desde o último dia 5 de dezembro. No seu lugar, tomou posse o suplente Luciano Galego (PL-MA).

O deputado Fernando Giacobo (PL-PR), que gastou R$ 412,6 mil para divulgar seu mandato, afirma que “o investimento é necessário para levar aos 200 municípios do Paraná as atividades feitas por ele na Câmara”.

Já a assessoria de comunicação do deputado Daniel Barbosa informa que os gastos com Divulgação da Atividade Parlamentar seguem rigorosamente o normativo específico da Câmara dos Deputados.

O Estadão entrou com contato com os demais deputados da lista dos que mais investiram na divulgação de sua atividade parlamentar, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.

Verba usada para divulgação pode gerar ‘disparidades’ nas eleições

Para especialista ouvida pelo Estadão, a cota parlamentar aplicada com divulgação pode dar aos deputados uma vantagem na disputa eleitoral, muitos são candidatos à prefeito nas eleições do ano que vem.

“Essa verba de divulgação é usada, em alguns casos, como verba ou como recurso de campanha, no fim das contas”, diz Marina Atoji, diretora da organização Transparência Brasil. “Isso gera disparidades entre quem tem e quem não tem mandato”, avalia.

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Os deputados só têm limitações em usar o recurso de divulgação nos 120 dias anteriores à data das eleições caso estejam concorrendo a um novo mandato.

Como o cotão parlamentar é definido

A cota possui um valor de repasse mensal que varia para cada Estado. A quantia é definida levando em consideração o preço das passagens aéreas de Brasília até a capital do Estado pelo qual o deputado foi eleito. O valor mais baixo é de R$ 36 mil mensais, para quem é do Distrito Federal, e R$ 51,4 mil para quem é de Rondônia.

Como mostrou o Estadão, para garantir a reeleição na chefia da Casa, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aprovou um pacotão de benesses aos 513 deputados. Uma delas foi o aumento no repasse da cota parlamentar.

“Essa cota parlamentar é um ralo pelo qual escorre muito recurso público. Sem fiscalização correta, sem critérios muito claros, isso pode criar desvios. Poderia ser aplicado menos dinheiro público e haver mais fiscalização, com um rígido controle”, analisou Marina Atoji.

“A cota é bem importante para o trabalho do parlamentar, mas também está passível de discussão. Há espaços para melhorias e há gastos que podem ser excessivos. O recurso público precisa ser gasto com muito critério”, disse Fernando Haddad Moura, diretor de operações do Legisla Brasil, organização da sociedade civil que monitora o Legislativo.

O Estadão revelou neste ano, por exemplo, o caso de um deputado, Chiquinho Brazão (União-RJ) que usa o dinheiro da cota parlamentar para abastecer no posto de gasolina de um sócio em outro negócio.

Os quase R$ 79 milhões gastos em divulgação de atividade parlamentar representam um crescimento de cerca de 50% em comparação com os R$ 52,7 milhões gastos em 2018 com essa despesa. Nesse mesmo intervalo, o maior gasto antes deste ano foi de R$ 62,6 milhões, em 2021.

Deputados do PL lideram no uso da cota parlamentar

Dos dez deputados que mais gastaram dinheiro da cota parlamentar em 2023, seis são do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Os três que mais utilizaram os recursos foram Silvia Cristina (PL-RO), Vinicius Gurgel (PL-AP) e Luizianne Lins (PT-CE).

O gasto com divulgação de atividade parlamentar também representa a maior fatia do dinheiro usado por esses parlamentares. Silvia gastou em autopromoção 56% dos 575 mil usados por ela. O recurso serve para gerir as redes sociais e fazer divulgação em veículos de notícias de Rondônia.

Luizianne, única petista, usou 45,1% de tudo o que gastou (R$ 569 mil) na divulgação do seu trabalho como deputada. O valor foi investido na produção de conteúdos publicados no seu perfil nas redes sociais.

Ao Estadão, a deputada disse que “não foi gasto nada além da previsão regimental e legal”. Ela, que é presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, adicionou que a cota também serviu para custear operações realizadas pela função.

“Dentre as atribuições da presidente do colegiado estão participação e realização de audiências públicas, diligências a Estados, representação oficial da Câmara em eventos de interesse nacional”, afirmou.

General Girão disse que desempenhar atividade como parlamentar no Rio Grande do Norte “realmente demanda um investimento alto”. Ele afirma que atua ativamente como presidente da frente parlamentar mista em prol do semiárido e que “faz questão de visitar e fiscalizar as emendas em vários municípios do Estado”.

A nota do parlamentar ainda destaca que ele figura como segundo colocado em pesquisas de intenção de voto para a prefeitura de Natal, “sem sequer ter anunciado oficialmente sua candidatura”. Ele dedicou um terço de toda a sua cota para a divulgação da atividade como deputado.

Girão também disse que precisará fazer um estudo no impacto dos resultados antes de se comprometer a reduzir custos no uso da cota. “Mas certamente a pretensão é aumentar ainda mais a produtividade do mandato. Se for feita uma análise das despesas pode ser constatado que todas estão devidamente comprovadas com o trabalho que está sendo executado”, concluiu.

Procurados pelo Estadão, os demais deputados não responderam.

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