Por Felipe Campinas, do ATUAL
MANAUS – Afastado do cargo de prefeito de Borba nesta terça-feira (23), Simão Peixoto é investigado por suspeita de desvio de R$ 29,2 milhões da prefeitura em licitações. Os procedimentos, segundo o Ministério Público, eram simulados e parte do dinheiro pago às empresas envolvidas no esquema era dividida entre funcionários e parentes do prefeito.
A investigação ocorre no bojo da Operação Garrote, deflagrada nesta terça-feira (23), que apura prática dos crimes de associação criminosa, fraudes em licitação, lavagem de capitais e corrupção ativa e passiva. O Gaego (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) lidera a ação, que envolve o cumprimento de mandados prisão e busca e apreensão contra familiares do prefeito, agentes públicos e empresas.
“Os investigados, com a predisposição comum de praticar os crimes acima relacionados, organizaram, em tese, um esquema de fraude e ocultação de bens e valores, que tem gerado prejuízos milionários aos cofres do Município de Borba/AM”, diz o desembargador João Simões, que autorizou as medidas judiciais contra o grupo.
Além de Simão, os mandados de prisão preventiva alcançam outras dez pessoas, incluindo funcionários da prefeitura e empresários. O MP informou, no entanto, que não prendeu o chefe do executivo de Borba. A advogada Gina Moraes, que atua na defesa de Simão, informou que “após análise dos autos as medidas judiciais cabíveis serão tomadas”.
O desembargador João Simões afastou do cargo, pelo prazo de 90 dias, o prefeito, a secretária de Finanças, um pregoeiro, uma assistente administrativa e três membros da comissão de licitação, incluindo o presidente. O magistrado determinou, ainda, o bloqueio de bens e valores dos investigados no montante de R$ 15 milhões.
As investigações apontam que o núcleo familiar do prefeito “movimentou quantias milionárias em fevereiro e março deste ano. “Somando as entradas e saídas financeiras apenas do ano de 2023 alcança-se o exorbitante montante de R$6.867.252,56”, diz João Simões.
De acordo com a apuração, Simão Peixoto “seria o principal beneficiário da organização”. “Para assegurar o vultoso resultado financeiro do crime, o prefeito se utilizaria de funcionários públicos da prefeitura e, principalmente, de parentes próximos, responsáveis por ‘blindá-lo’, assumindo o encargo das movimentações financeiras”, diz João Simões.
O esquema, segundo o Ministério Público, envolvia a simulação da licitação para beneficiar empresas ligadas ao prefeito. Após a assinatura do contrato e pagamento de valores, os empresários dividiam o valor com os agentes que atuavam na fraude e com os parentes do prefeito, incluindo a esposa, o irmão, o enteado, cunhados e sobrinhos.
O MP afirma que relatórios enviados pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e os dados colhidos durante o afastamento do sigilo bancário autorizado pela Justiça indicam a “ocorrência de transferências financeiras e a aquisição de bens incompatíveis com a capacidade econômica dos investigados”.
Além da lavagem de dinheiro, o MP investiga a prática dos crimes de “contratação direta ilegal” (art. 337-E), “frustração do caráter competitivo de licitação” (art. 337-F), “peculato” (art. 312), “corrupção passiva e ativa” (art. 337 e 333) e “associação criminosa” (art. 288), todos estes previstos no Código Penal Brasileiro.
Suspeita de fraudes
Uma das empresas investigadas é um mercadinho que faturou R$ 4,2 milhões em apenas um contrato para fornecer material de pavimentação em concreto. Segundo o MP, o estabelecimento “sublocava” informal e irregularmente a execução dos serviços a outras empresas. O dinheiro era de um convênio firmado com a Seinfra (Secretaria de Estado de Infraestrutura).
O contrato chegou a ser alvo de apuração no TCE-AM (Tribunal de Contas do Estado do Amazonas). Um engenheiro da Seinfra recomendou ao órgão que determinasse à empresa a devolução de R$ 1,4 milhão aos cofres públicos em razão de uma série de irregularidades envolvendo a licitação.
O MP afirma que os donos do mercadinho detêm “papel central” no esquema, pois, “são eles, em tese, os responsáveis por empreenderem a primeira distribuição de valores, com o fim, tanto de fazer uma espécie de repartição do resultado financeiro ilícito (conforme a participação de cada um), quanto de ocultar o crime praticado”.
O MP listou 12 empresas que estão sob suspeita por atuarem no mesmo “modus operandi”. Segundo os investigadores, os pagamentos a elas estão “protegidos por um ‘verniz de legalidade’, já que a contratação das mesmas são precedidas por procedimento de licitação, embora aparentemente fraudulentos, seguindo a mesma sistemática de contratação do mercadinho”.
Servidores e parentes
De acordo com o MP, a fase da legalização do esquema tinha participação do pregoeiro e da secretária de Finanças. Eles atuavam para viabilizar a contratação das empresas através da combinação entre as concorrentes (algumas pertencentes aos mesmos sócios) e da habilitação de companhias que não tinham qualificação técnica e econômica para execução do serviço.
“A fim de concretizar esses objetivos espúrios, a organização contava, ao que tudo indica, com a fundamental atuação do Pregoeiro e da Secretária de Finanças, porquanto eram eles os responsáveis pela organização dos procedimentos internos da licitação, pela condução e lisura dos procedimentos externos”, diz João Simões.
As investigações indicaram que o pregoeiro recebeu de uma empresa R$ 7,6 mil, enviados, mensalmente, em parcelas de R$ 1,5 mil. Ele também recebeu, em parcelas mensais, a quantia de R$ 6 mil de uma empresária contratada para prestar serviço especializado de consultoria administrativa à prefeitura.
Em relação a familiares do prefeito, os investigadores identificaram que Simão os usava para ocultar “bens e valores provenientes dos fatos criminosos em exame”. Entre os familiares estão a esposa dele, o irmão, cunhados, sobrinhos e o enteado. Segundo o Ministério Público, eles também recebiam dinheiro das empresas.
“Ao ser transferido aos sócios e às outras empresas, parte do recurso era posteriormente enviado às pessoas que compõem o núcleo familiar da organização, ou seja, o resultado financeiro do crime, obrigatoriamente, tinha que beneficiar o prefeito Simão Peixoto Lima, através de pessoas interpostas e de sua mais estrita confiança”, diz João Simões.
As investigações apontaram intensas movimentações financeiras em nome de parentes do prefeito. De acordo com o MP, entre dezembro de 2017 e fevereiro de 2020, por exemplo, o cunhado do prefeito recebeu do mercadinho o montante de R$ 218,6 mil. Em um único dia, a cunhada de Peixoto recebeu da mesma mercearia a soma de R$ 150 mil.
Ainda conforme o Ministério Público, o enteado e duas sobrinhas adquiriram quatro imóveis no segundo semestre do ano passado, sendo dois em Manaus e dois em Borba. A escritura pública, registrada no 4º Tabelionato de Notas de Manaus/AM, demonstra que o valor pago em relação aos imóveis adquiridos em Manaus foi de, ao menos, R$ 500 mil, incompatível com a renda deles.