(FOLHAPRESS) – A lentidão do procurador-geral da República, Augusto Aras, em iniciar uma reação contra os responsáveis por ataques golpistas às sedes dos Três Poderes deu protagonismo a outros atores que agiram para coibir a situação, como a AGU (Advocacia-Geral da União), parlamentares ligados ao governo e demais membros do próprio Ministério Público Federal.
Embora tenha pedido a inclusão, na sexta (13), de Jair Bolsonaro entre os investigados no inquérito que apura os atos, Aras ainda é visto com desconfiança por causa de sua inação contra o golpismo do ex-presidente e seus apoiadores durante os últimos anos.
Nesse cenário em que o PGR é visto pelo novo governo como atrelado aos interesses de Bolsonaro, foi a AGU quem pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal), no próprio dia 8, a prisão em flagrante dos golpistas envolvidos nos ataques e, também, de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça.
No mesmo dia, o órgão anunciou a criação de uma espécie de força-tarefa para ajuizar ações de cobranças de indenização, acompanhar investigações e atuar como assistente de acusação em ações do Ministério Público.
Só depois que a AGU anunciou o grupo é que a PGR constituiu o Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos, com o objetivo de “identificar os núcleos de comando do movimento” e as “autoridades com prerrogativa de foro que tenham participado, cooperado para ou incentivado” os ataques.
A falta de ação de Aras enquanto a AGU atuava vinha incomodando membros da cúpula do Ministério Público, que afirmavam que o PGR não sabia como reagir após passar anos de inércia no governo Bolsonaro.
Indicado ao cargo por duas vezes pelo ex-presidente, Aras teve a sua conduta questionada em diversas ocasiões pela falta de atitude diante de suspeitas de irregularidades. O PGR trabalhava nos bastidores para conseguir uma vaga no STF.
No dia dos ataques, uma série de subprocuradores-gerais da República, o último grau da carreira do Ministério Público, cobraram providências de Aras para que o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), fosse responsabilizado pelos atos.
Ibaneis acabou afastado do cargo por decisão de Alexandre de Moraes, sem um pedido de órgão de investigação. A PGR só pediu investigação sobre ele depois desse afastamento.
No grupo criado pela PGR, Aras colocou a coordenação sob responsabilidade do subprocurador-geral Carlos Frederico Santos, diminuindo o poder da sua braço-direito, a vice-procuradora-geral Lindôra Araújo.
Lindôra é próxima à família Bolsonaro e vinha se manifestando a favor do então presidente em diversos pedidos de investigação no Supremo.
Foi Carlos Frederico quem elaborou o pedido ao ministro Alexandre de Moraes para que Bolsonaro fosse incluído nas investigações sobre os atos golpistas sob a suspeita de incitação pública à prática de crime.
Ele atendeu a uma representação de 80 integrantes do Ministério Público Federal pela investigação do ex-presidente.
Durante a semana, enquanto a AGU apresentava suas ações, aliados de Bolsonaro passaram a questionar se o órgão não estava excedendo as suas atribuições e entrando nas responsabilidades do Ministério Público.
“Uma prerrogativa clara do Ministério Público Federal, que é a de pedir quebra de sigilo bancário e telefônico, passou a ser da AGU”, criticou à Folha o ex-ministro de Desenvolvimento Regional do governo Bolsonaro e senador eleito Rogério Marinho (PL-RN).
“Com o argumento de se defender a democracia, se fere a democracia.”
Ao mesmo tempo, representantes do próprio Ministério Público se reuniram com integrantes da AGU para evitar que houvesse invasão de atribuições dos procuradores pelos advogados da União.
Especialistas consultados pela reportagem não viram, até o momento, invasão das responsabilidades do Ministério Público, mas apontam que a AGU tem agido no vácuo criado com a falta de atuação da PGR.
“A AGU, dentro de suas atribuições, tem assumido o protagonismo no direcionamento das medidas cautelares apresentadas na investigação relacionada aos atos antidemocráticos”, afirma Leonardo Magalhães Avelar, advogado especializado em direito penal econômico pela FGV-SP e Universidade de Coimbra.
“O referido protagonismo se deve, principalmente, em razão da inércia da Procuradoria-Geral da República na condução da questão junto ao Supremo Tribunal Federal.”
A especialista em direito processual penal Mariana Stuart
Nogueira Braga afirma que “diante dos atos do dia 8, a despeito das afrontas, em tese, às instituições democráticas, diversos bens da União foram destruídos, fato que suscita a ação do AGU”.
Procurada, a AGU afirma que “em nenhum momento, invadiu as atribuições do Ministério Público, instituição pela qual tem profundo respeito e com a qual busca trabalhar de forma cooperativa”.
Diz ainda que, no último dia 8, em resposta aos atos golpistas, “promoveu medidas judiciais na esfera cível em estrito cumprimento de seu papel institucional de defesa dos interesses da União”.
“Mesmo os pedidos de prisões foram formulados pela AGU com base no art. 301 do Código de Processo Penal, que autoriza a qualquer pessoa a solicitar a autoridades prisão em flagrante, e tiveram o propósito de interromper os atos de destruição dos bens públicos da União”, diz o órgão.
Sobre as quebras de sigilo, afirma que os pedidos serão feitos “nas situações em que a medida se mostrar razoável e necessária, como determina a legislação processual”.
“Ressalta-se que esses pedidos de quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico ou de dados e demais medidas cautelares estão restritos às ações de natureza civil e de improbidade administrativa”, afirma.
As quebras serão usadas para garantir o ressarcimento ao erário e para instruir processos disciplinares contra servidores suspeitos de irregularidades.