SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Facebook, Instagram, Google, Twitter e Mercado Livre fazem críticas ao projeto de lei 2630/2020, que ficou conhecido como projeto das fake news, em carta divulgada nos sites das empresas nesta quinta-feira (24).

De acordo com as empresas signatárias, a atual versão do projeto poderá “desestimular as plataformas a tomar medidas para manter um ambiente saudável online”.

Além disso, afirmam que o texto “traz exigências severas caso as plataformas tomem alguma medida que seja posteriormente questionada e revertida”.

“O receio de uma enxurrada de processos judiciais levará as plataformas a agir menos na moderação de conteúdo, deixando o ambiente online mais desprotegido do discurso de ódio e da desinformação”, diz o documento.

Outros dois pontos do projeto de lei, que ao todo tem mais de 40 artigos, foram criticados pelas empresas. Um deles é o que determina que conteúdos jornalísticos devem ser remunerados pelas redes.

Também é alvo de crítica artigo que restringe o uso de dados pessoais e que, na avaliação das signatárias, impactará negativamente “milhões de pequenos e médios negócios que buscam se conectar com seus consumidores por meio de anúncios e serviços digitais”.

De acordo com a carta, o texto final do projeto “trata pouco do combate à desinformação”.

Ao longo da tramitação do projeto, o tema da moderação de conteúdo teve várias versões.

A última, conforme aprovado pelo grupo de trabalho da Câmara dos Deputados em dezembro, sob a relatoria do deputado Orlando Silva (PC do B-SP), prevê uma série de obrigações aos provedores de redes sociais e aplicativos de mensagem quando aplicarem suas regras para excluir, tornar indisponível, reduzir o alcance ou rotular conteúdos.

De acordo com o texto, o usuário deverá ser notificado e informado sobre qual medida foi aplicada, a fundamentação, os procedimentos para recorrer da medida e também se a moderação ocorreu com base apenas em sistemas automatizados ou não.

Se for constatado que houve erro na aplicação das regras, o projeto prevê ainda que “havendo dano individual, coletivo ou difusos a direitos fundamentais, os provedores de redes sociais ou mensageria instantânea devem informar os usuários sobre seu erro, na mesma proporção de alcance do conteúdo considerado inadequado, podendo esta obrigação ser requerida a autoridade judicial”.

Para as plataformas, é preciso haver flexibilidade para que elas possam agir para remover conteúdo nocivo.

No entanto, frente ao entendimento de que falta transparência quanto aos critérios utilizados para moderação, especialistas defendem que haja regras definidas sobre como as empresas devem proceder ao moderar conteúdo.

Nos últimos tempos, as big techs têm sido alvo frequente de ações judiciais por moderação abusiva. Ao mesmo tempo, há pressão da opinião pública e de anunciantes para que elas coíbam a disseminação de discurso de ódio e desinformação.

Aprovado no Senado em 2020, o projeto teve andamento na Câmara dos Deputados no ano passado, após a realização de uma série de audiências públicas para debater diferentes itens do projeto, incluindo representantes das empresas.

Como o projeto foi bastante alterado, caso seja aprovado pela Câmara, ele deverá ser novamente apreciado no Senado.

Na reta final, foram incluídos diversos pontos novos que não estavam previstos anteriormente, assim como alguns pontos considerados polêmicos, como a rastreabilidade em aplicativos de mensagem, foram retirados.

Dos três integrantes do grupo Meta, assinam a carta Facebook e Instagram, mas não o WhatsApp.

O texto do projeto afirma que fica “vedada a combinação do tratamento de dados pessoais dos serviços essenciais dos provedores com os de serviços prestados por terceiros, quando tiverem como objetivo exclusivo a exploração direta e indireta no mercado em que atua ou em outros mercados”.

Para especialistas, o item busca coibir o chamado cross-tracking, que implica na coleta de dados do usuário conforme ele visita diferentes sites, técnica utilizada para promoção de anúncios personalizados.

“Ao estabelecer regras que se aplicariam apenas às plataformas digitais, o PL 2630 acaba com a democratização da publicidade que foi possível graças à internet e privilegia alguns grupos de mídia”, diz a carta.

Também é alvo de críticas o item que determina que “conteúdos jornalísticos utilizados pelos provedores ensejarão remuneração ao detentor dos direitos do autor do conteúdo utilizado”, excluindo da regra o “simples compartilhamento de endereço de protocolo de internet do conteúdo jornalístico original”.

No ano passado, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e outras oito organizações também se manifestaram pela retirada do artigo.

“A redação do artigo é genérica e incapaz de dar conta da complexidade do tema. Não define, por exemplo, o que será considerado como material jornalístico, nem como se dará tal remuneração ou quem fará a fiscalização”, afirmaram. A manifestação é citada na carta das empresas.

Em setembro de 2021, a ANJ (Associação Nacional de Jornais) e outras entidades lançaram manifesto pela remuneração da produção jornalística pelas plataformas.

Há expectativa de que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), coloque em votação o requerimento de urgência para acelerar a tramitação do texto.

O debate sobre o Telegram tem renovado a atenção pública sobre o projeto, já que uma das determinações do texto é que empresas com mais de dois milhões de usuários devem indicar representantes legais no país.

O aplicativo de mensagens Telegram tem ignorado ordens e pedidos de autoridades brasileiras, inclusive do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do STF (Supremo Tribunal Federal), que fazem tentativas de contato sobre demandas envolvendo publicações na rede social.

Segundo revelou a Folha, o Telegram conta com representante no Brasil há sete anos para atuar em assunto de seu interesse junto ao órgão do governo federal encarregado do registro de marcas no país, ao mesmo tempo em que ignora chamados da Justiça brasileira e notificações ligadas às eleições.

Leia a íntegra da carta:

“PL 2630/2020 deixou de ser sobre combater as fake news
Ninguém quer que notícias falsas se espalhem nas redes. Como plataformas de tecnologia, investimos continuamente em recursos e ações concretas e transparentes para combater a desinformação e estamos comprometidas a debater com a sociedade como podemos enfrentar esse desafio juntos.

Reconhecemos os esforços do Congresso Nacional na formulação de uma proposta de lei que ofereça à sociedade meios eficientes de lidar com o problema, mas, da forma como está hoje, o Projeto de Lei 2630/2020 trata pouco do combate à desinformação. Na verdade, o texto, que ficou conhecido como PL das Fake News, passou a representar uma potencial ameaça para a Internet livre, democrática e aberta que conhecemos hoje e que transforma a vida dos brasileiros todos os dias.

Se transformado em lei, o texto que está para ser votado na Câmara dos Deputados irá restringir o acesso das pessoas a fontes diversas e plurais de informação; desestimular as plataformas a tomar medidas para manter um ambiente saudável online; e causar um impacto negativo em milhões de pequenos e médios negócios que buscam se conectar com seus consumidores por meio de anúncios e serviços digitais.

O projeto determina, de modo genérico, que as plataformas remunerem os veículos de imprensa que publicam notícias nas redes. Como está, a proposta deixa em aberto como isso funcionaria na prática – por exemplo, quais os critérios para definir o que são veículos de imprensa elegíveis a receber pelas notícias publicadas nas plataformas. O PL também não reconhece esforços de parcerias que as plataformas estabeleceram ao longo dos anos com veículos de imprensa no Brasil. Isso pode acabar favorecendo apenas os grandes e tradicionais veículos de mídia, prejudicando o jornalismo local e independente, e limitando o acesso das pessoas a fontes diversificadas de informação. Associações de jornalismo e profissionais da imprensa assinaram um manifesto em 2021 chamando atenção para os efeitos negativos e pedindo a remoção do artigo do texto do projeto, o que até agora não ocorreu.

A moderação de conteúdo on-line é uma tarefa que exige que as plataformas tomem medidas rápidas diante de novas ameaças. Por isso, precisamos de flexibilidade para poder agir para remover conteúdo nocivo. O texto, no entanto, traz exigências severas caso as plataformas tomem alguma medida que seja posteriormente questionada e revertida. O receio de uma enxurrada de processos judiciais levará as plataformas a agir menos na moderação de conteúdo, deixando o ambiente on-line mais desprotegido do discurso de ódio e da desinformação. Isso vai totalmente na contramão das demandas da sociedade pela preservação de um debate público saudável, confiável e em igualdade de condições.

Para completar, milhões de pequenos e médios negócios, como a padaria ou a pizzaria de bairro, não poderão mais anunciar seus produtos com eficiência e a custo baixo na Internet. Um dos artigos do texto impede o uso responsável e equilibrado de dados pessoais -em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), promulgada após amplo debate pela sociedade- para a entrega eficiente de anúncios e serviços que são cruciais para micro e pequenas empresas e para toda a economia brasileira.

Por fim, ao estabelecer regras que se aplicariam apenas às plataformas digitais, o PL 2630 acaba com a democratização da publicidade que foi possível graças à Internet e privilegia alguns grupos de mídia.

O debate sobre as potenciais consequências negativas do PL 2630/2020 é importante e desafiador. Por isso, pedimos que essas preocupações sejam levadas em consideração antes da votação. Como temos feito desde que o PL foi apresentado em 2020, continuaremos trabalhando próximos dos parlamentares brasileiros em prol de uma proposta que beneficie a economia brasileira, a internet livre e aberta e, acima de tudo, todos que usam os meios digitais para empreender, se expressar, se informar e consumir.”

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