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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cogita dispensar a lista tríplice de indicados para o comando da Procuradoria-Geral da República (PGR), apesar de ter ajudado a criar a tradição de escolher para o cargo um dos três nomes mais votados por procuradores do Ministério Público Federal (MPF). O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) já não levou em conta a eleição interna da instituição para escolher o atual procurador-geral da República, Augusto Aras.

Lula deverá nomear um sucessor para Augusto Aras em setembro de 2023 – quando vence o mandato do atual PGR. Interlocutores e auxiliares do petista na área jurídica dizem que a escolha dentro da lista tríplice do MPF pode se revelar muito “corporativista” – embora a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) defenda que a listra tríplice é transparente e integrantes da categoria afirmam que ela garante a independência do Ministério Público em relação ao governo (o que é essencial em investigações de corrupção, por exemplo).

“É muito cedo para falar em nomes, mas o perfil é o que preocupa, mais que qualquer coisa outra coisa. A lista não é o melhor nem o único critério. Nossa experiência não foi boa. Porque a lista foi composta por pessoas de perfil corporativista”, diz à Gazeta do Povo, sob reserva, um dos mais influentes conselheiros de Lula na área do Direito e da Justiça.

Em entrevista ao site Poder 360, publicada no último dia 11, o ministro da Justiça, Flávio Dino, aumentou essa possibilidade. “Nós temos o mecanismo das listas que são apresentadas para associações. Vamos examiná-la, claro. Há outros nomes que são apresentados e o presidente Lula tem enfatizado a importância de ser um nome comprometido com a Constituição”, declarou.

Antes mesmo da vitória no segundo turno, o ex-presidente não se comprometeu com a lista tríplice ao ser questionado sobre o assunto numa entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo. “Quero deixar eles [procuradores da República] com uma pulguinha atrás da orelha”, disse o ex-presidente, acrescentando que, se for eleito, fará reuniões com o Ministério Público para discutir os critérios de seleção que precisam ser justos para ele e para o Brasil.

Experiência com Janot na PGR é considerada traumática para o PT

A avaliação de que a experiência com a lista tríplice não foi boa para o PT deve-se principalmente ao ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Embora não tenha sido indicado por Lula, mas pela ex-presidente Dilma Rousseff (por duas vezes), sua atuação revelou-se traumática para o partido. Foi durante os quatro anos de Janot no comando do MPF que a Operação Lava Jato teve seu auge.

Além disso, a crítica de que a lista tem caráter corporativista também se aplicaria a Janot – que é ex-presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), a entidade que organiza a votação. Janot recebeu a pecha de “líder sindical”, inclusive por ministros que lhe eram desafetos no Supremo Tribunal Federal (STF), onde atuava como representante do MPF. Esse caráter corporativista seria marcado por um suposto favorecimento de procuradores a escolherem candidatos que mais prometam benefícios para atender interesses da classe, e não necessariamente àqueles mais alinhados com a função do PGR.

“Se tenho um candidato comprometido comigo, é uma coisa. Se tem um comprometido com a categoria, fica complicado. Todos que vêm pela lista têm uma dívida para com a classe e nem sempre terá a coragem de fazer o que deve ser feito, pouco importando o que diz a rede social, a mídia e a bolha de dentro do MPF”, diz um subprocurador, que nunca foi candidato, mas que está a par das discussões dentro do PT na escolha do perfil do futuro PGR.

Para esse subprocurador, que não é um entusiasta da lista tríplice, ela poderia ser seguida se a classe tivesse maturidade suficiente para escolher nomes mais afinados com o perfil desejado pelo novo presidente. “Não houve essa responsabilidade na lista entregue a Bolsonaro. A classe resolveu peitá-lo e apresentou nomes intragáveis para ele.”

Qual é o perfil desejado por Lula e pelo PT para a PGR

Em razão de tudo isso, o entorno de Lula agora avalia se é o caso de seguir a lista tríplice. A possibilidade de contemplá-la ainda existe caso a própria categoria indique nomes mais simpáticos e compatíveis com o perfil desejado por Lula: garantista, avesso a qualquer tipo de “piroctenia” no combate à corrupção, discreto e que tenha bom diálogo com o Executivo. O garantismo, a defesa rigorosa das garantias legais de acusados, tornou-se a principal corrente jurídica oposta à Lava Jato – vista por por seus adversários como excessivamente punitivista.

Não à toa, muitos senadores do PT e da esquerda, embora publicamente critiquem Augusto Aras, seguiram o restante da classe política que o apoiou, e votaram por sua recondução à PGR em 2021. Apesar de indicado por Bolsonaro, ele se enquadra no perfil desejado pelo PT, e teve excelente interlocução com advogados ligados ao Partido dos Trabalhadores que sempre criticaram a Lava Jato. Responsável pelo desmonte das forças-tarefas e por uma devassa nos métodos de investigação da operação, Aras contribuiu para o fim das investigações. Há até quem aposte que ele não seria má escolha para Lula, embora pessoalmente Aras tenha o desejo de ser indicado para uma vaga no STF – sonho praticamente abortado com a derrota de Bolsonaro na eleição presidencial.

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Cotados não têm unanimidade no PT

Há vários nomes fortes dentro do MPF, que já figuraram em listas tríplices recentes e que, embora guardem alguma afinidade ou proximidade com alguns setores do PT, estão longe de serem considerados “ideais” ou “perfeitos” aos olhos do partido.

Fala-se, por exemplo, em Nicolao Dino – irmão do ex-governador do Maranhão Flávio Dino (PSB), que foi eleito senador, que está cotado para ser ministro da Justiça de Lula. Nicolao Dino tem história no MPF e já compôs listas tríplices do passado. Mas pesa contra ele o passado de ligação com Janot.

Outro nome sempre mencionado nas conversas é Luiza Frischeisen, que também já integrou listas tríplices no período recente. Além de mulher, tem viés progressista. É vista como muito técnica no campo criminal, mas não tem perfil de “diálogo” almejado pelo entorno de Lula.

Há outros subprocuradores bem mais próximos do PT que seriam desejáveis, mas que foram descartados por razões legais. É o caso de Eugênio Aragão, que advogou para Lula na campanha eleitoral; Deborah Duprat, chamada a colaborar para o governo de transição; e Ela Wiecko, explicitamente simpática ao PT. Todos se aposentaram ou estão próximos disso, o que impede que sejam escolhidos.

Dentro da PGR, muitos subprocuradores sabem que a escolha pode ficar fora da lista e, por isso, já começaram a procurar interlocutores de Lula para se apresentarem como alternativa. São encontros reservados e que ocorrem longe dos olhos da imprensa e da própria classe.

Mas a escolha em si de Lula, ainda está longe. Muitos lembram que, durante seus dois primeiros mandatos como presidente, ele chegava a fazer acertos para indicar nomes para cargos importantes do Judiciário que, de última hora, eram desfeitos. Isso pode ocorrer também em 2023 para a escolha do procurador-geral. Isso porque a definição também vai passar pela consulta a ministros do STF mais próximos de Lula. O presidente quer estabelecer uma relação de pacificação e de boa vizinhança com o Supremo, para se diferenciar de Bolsonaro e evitar problemas para o governo. A indicação de um nome para a PGR que tenha aval e prestígio entre os ministros da Corte colabora para isso.

Constituição dá livre escolha do PGR ao presidente

A escolha do procurador-geral da República partir da lista tríplice apresentada ao presidente pelo MPF não é prevista em lei nem na Constituição – ou seja, não é obrigatória. Desde 2001, no entanto, havia se tornado uma tradição. Lula, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e seu sucessor, Michel Temer (MDB), escolheram nomes sempre da lista. A prática foi interrompida com Bolsonaro, que optou por ignorar as sugestões do Ministério Público ao nomear Aras – e também por isso, o atual procurador-geral sofreu oposição dentro do MPF.

Nos estados, porém, os chefes dos MPs estaduais são escolhidos pelos governadores a partir de listas tríplices. É esse o modelo que os procuradores da República, do MP Federal, sempre quiseram institucionalizar no âmbito da PGR.

Organizadora e maior defensora da lista, a ANPR argumenta que o modelo é o mais transparente, porque só nele os candidatos se mostram publicamente, apresentam seus compromissos abertamente, de modo que os membros do MPF avaliem se podem mesmo cumprir com seus planos.

A ANPR também rebate a crítica de que a lista tríplice é corporativista, sob o argumento de que, nos estados, não está comprovado que os chefes dos MPs, escolhidos pelo governador a partir das indicações dos promotores, só se preocupem com os interesses da carreira.

Em relação à política criminal, a ANPR diz que essa é uma questão definida pelo Congresso e que o PGR atua em observação às leis aprovadas no Legislativo.

Além disso, procuradores que defendem a lista tríplice costumam argumentar que ela garante a autonomia do Ministério Público Federal em relação ao governo. Para esses membros do MPF, isso é fundamental para garantir, por exemplo, que casos se corrupção no Executivo possam ser investigados.

(*) Com informações gazetadopovo

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