STEFHANIE PIOVEZAN SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Criticado pela situação em que se encontra o povo yanomami, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) utilizou suas redes sociais neste sábado (28) para afirmar que “nunca um governo dispensou tanta atenção e meios aos indígenas como Jair Bolsonaro”. Na publicação, ele também divulgou relatório da CPI destinada a investigar a morte de crianças indígenas por desnutrição, no período de 2005 a 2007.


A postagem é uma forma de rebater as críticas de lideranças indígenas, servidores e ex-servidores e de representantes de ONGs sobre a forma como o último governo conduziu as ações na Amazônia e em particular na Terra Indígena Yanomami, em Roraima.

“Os yanomamis nunca morreram de fome. Estou aqui, tenho 66 anos e quando era pequeno, ninguém morria de fome. Agora o garimpo está matando o meu povo e também os parentes Munduruku e Kayapó. Quando os indígenas ficam doentes, eles não conseguem trabalhar [na roça] ou caçar”, disse o líder yanomami Davi Kopenawa, 66, em entrevista à Folha de S.Paulo publicada nesta sexta (27).


“O último governo foi um ponto fora da curva no que tange ao respeito à Constituição e ao cumprimento do dever do Estado de proteger os territórios contra invasores”, criticou o antropólogo Márcio Augusto Meira, que presidiu a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) entre 2007 e 2012.


Instalada em 19 de dezembro de 2007, a CPI teve como relator o então deputado Vicentinho Alves (PR-TO) e operou até 6 de junho de 2008. Nesse intervalo, realizou 18 reuniões e diligências aos estados de Mato Grosso do Sul, Maranhão, Acre e Tocantins.


De acordo com o relatório final, de maio de 2008, a comissão concluiu à época, entre outros pontos, que o problema da desnutrição entre crianças indígenas não se resumia ao Mato Grosso do Sul e que os órgãos responsáveis pela atenção aos indígenas (Funasa e Funai) apresentavam grave restrição de recursos humanos estáveis e uma integração operacional deficiente.


Especificamente em relação aos yanomamis, o documento afirma, em diferentes trechos:


“Em Roraima, entre os yanomami, os índices de malária voltam com intensidade, em função do abandono nas ações preventivas em saúde, especificamente nos serviços para o combate ao mosquito transmissor da doença.”


“Em diversas localidades, funcionários são obrigados a cruzar os braços devido ao atraso no pagamento de seus salários, a exemplo do que acontece no Distrito Sanitário Yanomami. A situação é de uma gravidade sem precedentes e exige do poder público providências enérgicas e ações contundentes para combater a fome, a desnutrição e as doenças causadas por parasitoses.”


“A experiência obtida no Mato Grosso do Sul foi levada a outras regiões e atualmente a Funasa, por meio das suas equipes de vigilância alimentar e nutricional, acompanha o desenvolvimento de 24 mil crianças indígenas no Brasil inteiro. Entretanto, a região em que há maior deficiência na aplicação dessa política é a Norte, devido ao problema logístico. O acesso às comunidades indígenas do Amazonas é difícil, principalmente na região yanomami, aonde o acesso ocorre exclusivamente por via aérea.”


Com base nesse diagnóstico, o relatório apresentou recomendações como o fortalecimento da Funasa e da Funai, por meio da realização de concursos públicos, da elaboração de planos de cargos e salários e de reorganização administrativa.


Nos locais com desnutrição mais grave, como no Maranhão, o documento sugeriu a criação de comitês gestores, bem como melhor previsão orçamentária para uma adequada distribuição de cestas básicas e uma atuação mais incisiva da Funai para promover a produção de alimentos pela comunidade indígena.


Para Márcio Augusto Meira, que presidia a Funai à época e participou da comissão, a publicação de Jair Bolsonaro é uma tentativa de criar uma cortina de fumaça na crise atual e jogar a culpa em governos anteriores.


“Naquela época, a situação mais grave de desnutrição era entre os guarani-kaiowás, mas era um contexto completamente diferente. Tínhamos problemas sérios, mas que estavam sendo investigados e resolvidos pela Funasa, a responsável na época pela saúde indígena”, disse Meira à reportagem.


“A questão de fundo é: problemas de subnutrição em terras indígenas podem ter acontecido antes, mas nada com intencionalidade, como foi o caso nos últimos quatro anos. Era sempre um fenômeno que era identificado pela saúde indígena, pelo Ministério da Saúde, e eram imediatamente providenciadas as medidas para solução do problema”, rebateu o antropólogo.


A ação do garimpo ilegal na TI Yanomami, por exemplo, está no centro da crise atual. De acordo com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o garimpo na região levou ao desmatamento de 232 hectares de floresta amazônica só em 2022, um aumento de 24,7% em relação ao índice registrado no ano anterior (186 hectares).

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