Uma recente decisão da Sexta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) tem o potencial de anular investigações relacionadas a crimes financeiros, lavagem de dinheiro e corrupção, de acordo com informações de investigadores ouvidos pela Folha.
O STJ decidiu que a Polícia Federal não pode mais solicitar informações diretamente ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) sem a autorização prévia da Justiça. A publicação do acórdão ocorreu em 15 de agosto.
Até então, a compreensão dos investigadores era de que tanto a polícia quanto o Ministério Público podiam fazer solicitações ao Coaf, através de um sistema específico, desde que houvesse um inquérito aberto relacionado ao caso em questão.
Segundo fontes policiais, caso o STF (Supremo Tribunal Federal) mantenha essa interpretação, centenas de investigações poderão ser comprometidas. Um exemplo citado é a investigação sobre supostos financiadores dos eventos ocorridos em 8 de janeiro.
Especialistas em crimes financeiros e corrupção afirmam que a posição do STJ contraria o entendimento previamente estabelecido pelo STF em um julgamento de 2019, quando o Supremo analisou o pedido do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) para anular provas no caso da “rachadinha”.
No caso analisado pelo STJ, o voto decisivo na Sexta Turma foi do ministro Antônio Saldanha Palheiro. Ele considerou que a possibilidade de a Polícia Federal solicitar informações diretamente ao Coaf, sem autorização judicial, é “uma situação diferente daquela decidida pelo Supremo Tribunal Federal”.
Os advogados responsáveis pelo habeas corpus que levou à decisão do STJ, Gustavo Mascarenhas e Vinicius Gomes de Vasconcellos, argumentam que, no caso específico em questão, a Polícia Federal solicitou informações apenas dez dias após a abertura do inquérito, referentes a um período de seis anos e cinco meses.
Eles afirmam que essa medida não está “amparada por qualquer fundamento” e não se enquadra no entendimento estabelecido pelo STF em 2019, já que, segundo os próprios ministros do STF, houve distinção entre os casos.
Em relação à posição do STJ, que limita as solicitações diretas da PF ao Coaf, os advogados consideram que se trata do “controle das regras” do processo penal e que a Sexta Turma do STJ agiu corretamente ao impor limites à autoridade policial para evitar o uso inadequado de informações.
O Coaf mantém duas formas de relacionamento com as autoridades de investigação. Na primeira, o próprio Conselho gera Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) e os encaminha às autoridades competentes para investigar transações suspeitas.
A segunda forma ocorre quando as autoridades de investigação solicitam informações específicas sobre indivíduos ou empresas. Nesse caso, o Coaf verifica seu banco de dados em busca de transações suspeitas relacionadas à pessoa indicada e fornece as informações solicitadas. Esses são os chamados RIFs de intercâmbio.
Esse tipo de solicitação é considerado menos invasivo, uma vez que não permite o acesso completo aos dados fiscais e bancários, mas apenas às transações suspeitas apontadas pelos bancos.
Investigadores alertam que a decisão do STJ contraria o julgamento de 2019 do STF, que não proibiu o compartilhamento direto de informações entre Coaf, polícias e Ministério Público.
Eles citam o voto do ministro Dias Toffoli, que havia interrompido investigações baseadas em dados do Coaf e votou a favor do compartilhamento, desde que cumpridas regras específicas, como o uso de sistemas eletrônicos de segurança certificados e registro de acesso.
Além disso, a decisão do STJ levanta preocupações sobre o compromisso internacional do Brasil no combate à lavagem de dinheiro, conforme acordos internacionais.
Bruno Brandão, diretor da Transparência Internacional Brasil, argumenta que a decisão do STJ confunde os RIFs do Coaf com
a quebra de sigilo bancário e pode prejudicar a capacidade do Brasil de investigar casos de lavagem de dinheiro, bem como esquemas envolvendo tráfico de drogas e desmatamento ilegal.
Ele ressalta que em 2019, o STF esclareceu que a produção e disseminação dos RIFs pelo Coaf não equivalem à quebra de sigilo bancário e, portanto, não requer autorização judicial.
Brandão também destaca que a decisão do STJ pode afetar o processo de avaliação do Brasil pelo Gafi (Grupo de Ação Financeira Internacional), principal organismo internacional de coordenação de esforços contra a lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo.