BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Alvo de críticas de seus pares por não ter aberto investigações contra o governo de Jair Bolsonaro (PL) e sobre atos golpistas de bolsonaristas, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, decidiu nesta terça-feira (10) criar uma comissão de defesa da democracia.

Ele também pediu ao STF (supremo Tribunal Federal) a instauração de um inquérito para investigar supostas condutas omissivas do governador afastado do Distrito Federal Ibaneis Rocha (MDB) e do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.

As ações de Aras ocorrem no momento em que o chefe da PGR (Procuradoria-Geral da República) é alvo de duras críticas de ministros do STF em conversas reservadas pelo que consideraram inação dele diante da invasão e do vandalismo nas sedes dos Três Poderes.

Nos bastidores da PGR, o clima é o mesmo. A avaliação é que Aras não teve uma reação à altura que os acontecimentos exigiam.

Pressionado, Aras decidiu instituir a Comissão Temporária de Defesa da Democracia, no âmbito do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).

Inicialmente, 116 procuradores foram designados para levar adiante as investigações sobre os ataques golpistas em todo o país. A comissão terá inicialmente um ano de duração. O prazo poderá ser prorrogado uma única vez.

Aras vem sofrendo pressão de integrantes do CNMP para que ele aja em relação aos ataques antidemocráticos no país. Ele, no entanto, vinha resistindo.

A pressão aumentou no domingo (8), quando vândalos bolsonaristas que se recusam a aceitar o resultado das eleições depredaram o STF, o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto.
Na segunda (9), o procurador-geral fez um pronunciamento durante reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e governadores no Palácio do Planalto. Ele negou que tenha havido omissão de sua parte e prometeu para responsabilizar os vândalos.

“Durante eventos de 2021 e 2022 não tivemos nenhum ato de violência capaz de atentar contra democracia como visto ontem [domingo]”, declarou.

Com a repercussão dos ataques, Aras se reuniu nesta terça-feira (10) com o CNMP e aceitou criar a comissão. De imediato, o CNMP passa a concentrar a força-tarefa da Comissão Temporária de Defesa da Democracia.

A Folha de S.Paulo obteve cópia da resolução. A comissão será composta por todos os conselheiros do CNMP e terá seus trabalhos conduzidos do secretário-geral da entidade.

O presidente e o vice-presidente da Comissão Temporária de Defesa da Democracia serão eleitos dentre os conselheiros do CNMP.

Além disso, a PGR solicitou ao ministro do STF Alexandre de Moraes que instaure um inquérito para investigar supostas condutas omissivas do governador afastado Ibaneis Rocha e do ex-ministro Anderson Torres.

O ex-titular da Justiça no governo Bolsonaro era secretário de Segurança Pública do DF até o domingo, quando foi exonerado. Nesta terça, Moraes determinou a prisão de Torres, que no momento se encontra nos Estados Unidos.

Aras também solicitou ao Supremo apurações sobre o ex-comandante da Polícia Militar do DF, Fábio Augusto Vieira, e sobre o ex-secretário de Segurança Pública interino do DF, Fernando de Sousa Oliveira, que estava responsável pela pasta quando houve a invasão dos três Poderes. Vieira foi preso nesta terça, também por ordem de Moraes.

O pedido de investigação foi feito pela vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, que solicitou a abertura de um inquérito específico para apurar o caso.

Lindôra quer que eles sejam investigados por ações ou omissões relacionadas aos crimes de terrorismo, associação criminosa, abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, ameaça, perseguição e incitação ao crime e em “outros possíveis crimes”.

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“Mesmo ciente do iminente risco e tendo o dever de adotar providências para evitar os fatos do dia 8, dada a pública e notória chegada de dezenas ou centenas de ônibus a Brasília conduzindo manifestantes que declaradamente afrontariam os Poderes da República objetivando a ruptura do Estado de Direito, a imprensa noticiou que o governador Ibaneis Rocha, na véspera dos fatos, dia 7 de janeiro de 2023, havia liberado manifestações na Esplanada dos Ministérios”, disse.

Segundo ela, há suspeitas de que as autoridades de segurança pública do Distrito Federal, “com plena ciência de Ibaneis Rocha, não apenas permitiram, como promoveram a escolta policial” dos criminosos.

Caso isso seja comprovado, afirma, “estaremos, no mínimo, diante de criminosa omissão do governador do Distrito Federal, que terá anuído e concorrido, de maneira consciente e voluntária, para os gravíssimos crimes verificados em 8 de janeiro de 2023, em Brasília”.

Aras tem recebido duras críticas de ministros do STF em conversas reservadas. Para os magistrados, o chefe da PGR tem dado uma resposta lenta aos ataques contra o Planalto, o Congresso e o STF.

As duras medidas adotadas por Moraes –como o afastamento de Ibaneis e a ordem para que acampamentos bolsonaristas fossem desmobilizados– foram expedidas a pedido da AGU (Advocacia-Geral da União) e do líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Aras, por sua vez, agiu apenas no dia seguinte da crise desencadeada pelos atos de vandalismo. E somente depois, também, de dez subprocuradores que integram o alto escalão da Procuradoria terem apresentado uma representação em que cobravam uma atuação de Aras contra o governador afastado do DF.

O procurador-geral, então, pediu na segunda a abertura de investigação perante o STJ (Superior Tribunal de Justiça) para apurar se houve omissão de Ibaneis.

Na noite de domingo, após o ápice dos vandalismos, ele também emitiu uma nota para informar que realizou uma reunião da comissão de crises da PGR “para acompanhar desdobramentos de protestos violentos registrados em Brasília”.

Aras foi indicado e reconduzido à frente da PGR por Bolsonaro. Durante toda sua gestão, foi criticado por não ter agido em relação a ofensivas do então mandatário e seus apoiadores contra as instituições.

Aras foi demandado por parlamentares, integrantes do próprio Ministério Público e entidades da sociedade civil para que reagisse às confrontações de Bolsonaro e seus apoiadores contra o Supremo e o Congresso.

Na maioria das situações, Aras adotou a estratégia de informar que havia aberto procedimentos preliminares dentro da própria procuradoria e que anunciaria depois as medidas que seriam adotadas.

A ministra Cármen Lúcia, do STF, chegou a fazer duras críticas a essas decisões do procurador-geral.

Em 2021, a magistrada determinou que Aras detalhasse quais ações havia adotado em relação às declarações golpistas de Bolsonaro proferidas em manifestações de 7 de Setembro daquele ano.

A ministra criticou o fato de esses procedimentos tramitarem apenas internamente na PGR e disse que nenhuma autoridade está “fora de qualquer supervisão ou controle” da Justiça.

A reportagem questionou Aras sobre as críticas que tem recebido após os ataques golpistas, mas não obteve resposta.

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