Nesta quinta-feira, 20, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou e suspendeu o julgamento sobre a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal. Até agora, cinco ministros votaram a favor da descriminalização, três mantiveram a penalidade, e o ministro Dias Toffoli apresentou uma nova posição.
Nova Vertente de Toffoli
O ministro Toffoli argumentou que a legislação atual não considera o porte de drogas para uso pessoal um crime. No entanto, ele destacou a insegurança jurídica na diferenciação entre usuários e traficantes. Toffoli sugeriu que o Executivo e o Legislativo desenvolvam, em 18 meses, uma política pública para separar legalmente as duas condutas.
Suspensão e Próximos Passos
Após o voto de Toffoli, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, suspendeu o julgamento, que será retomado na próxima terça-feira, 25. Ainda faltam votar os ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia. A Corte também precisa definir critérios específicos, como a quantidade de maconha permitida para uso pessoal, para diferenciar usuários de traficantes.
Contexto do Julgamento
O STF está analisando um recurso da Defensoria Pública de São Paulo (DP-SP) contra uma decisão da Justiça de São Paulo, que manteve a condenação de um homem flagrado com três gramas de maconha no Centro de Detenção Provisória de Diadema em 2009.
Lei de Drogas em Discussão
A Lei de Drogas, sancionada em 2006, rege o tema. A legislação atual prevê medidas socioeducativas de até dez meses para usuários e penas de cinco a 15 anos de prisão para traficantes. Não há uma quantidade específica de drogas que diferencie usuários de traficantes.
Votos dos Ministros
Até o momento, os ministros Gilmar Mendes (relator do julgamento), Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Alexandre de Moraes votaram a favor da descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. André Mendonça, Kassio Nunes Marques e Cristiano Zanin divergiram dessa interpretação.
Saiba como foram os votos dos ministros até agora:
Gilmar Mendes
O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, abriu o julgamento em agosto de 2015 defendendo a descriminalização do porte de qualquer tipo de droga para consumo próprio. Posteriormente, após o voto de Edson Fachin, ele reajustou o entendimento para restringir a medida apenas para o porte de maconha e pela fixação de parâmetros que possam diferenciar o tráfico do uso pessoal.
“Despenalizar sim, mas mais do que isso: emprestar o tratamento da questão no âmbito da saúde pública e não no âmbito da segurança pública”, afirmou.
Edson Fachin
Atual vice-presidente da Corte, o ministro Edson Fachin defendeu que o artigo nº 28 da Lei de Drogas é inconstitucional exclusivamente em relação à maconha. Segundo o magistrado, é necessário que o Congresso Nacional fixe parâmetros para diferenciar traficantes de usuários.
“O dependente é vitima e não criminoso germinal. O usuário em situação de dependência deve ser tratado como doente”, disse.
Luís Roberto Barroso
O ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente do STF, votou pela descriminalização do porte de maconha para uso pessoal e propôs como parâmetro para a diferenciação do crime de tráfico para o uso pessoal a posse de 25 gramas da substância ou a plantação de até seis plantas fêmeas da cannabis sativa.
“O que nós queremos é evitar a discriminação entre ricos e pobres, entre brancos e negros. Nós queremos uma regra que seja a mesma para todos. E fixar uma qualidade impede esse tipo de tratamento discriminatório. Ninguém está legalizando droga.”
Alexandre de Moraes
O ministro Alexandre de Moraes sugeriu que as pessoas flagradas com até 60g de maconha, ou que tenham seis plantas fêmeas, sejam presumidamente declaradas como usuárias pela Justiça. O magistrado explicou que chegou a esses números a partir de um estudo sobre o volume médio de apreensão de drogas no Estado de São Paulo, entre 2006 e 2017.
“Quem conhece o Direito Penal, sabe que só é crime o que é apenado com reclusão e detenção e só é contravenção o que é apenado com prisão simples”, afirmou Moraes.
Posteriormente, o relator Gilmar Mendes incluiu os parâmetros sugeridos por Moraes no voto dele.
Rosa Weber
Quando ainda estava na Corte, a ministra aposentada Rosa Weber também deu um parecer favorável à liberação do porte de maconha, declarando que a criminalização da conduta é desproporcional, por atingir de forma veemente a autonomia privada.
A ministra também observou que a mera tipificação como crime do porte para consumo pessoal potencializa um preconceito que recai sobre o usuário, dificultando o tratamento e a reinserção dos dependentes químicos na sociedade.
“Essa incongruência normativa, alinhada à ausência de objetividade para diferenciar usuário de traficante, fomenta a condenação de usuários como se traficantes fossem”, disse. O novo ministro do STF, Flávio Dino, que assumiu a cadeira de Rosa Weber em fevereiro, está impedido e não vota no caso.
Cristiano Zanin
Indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ministro Cristiano Zanin abriu a divergência no julgamento ao ser o primeiro a negar a descriminalização da maconha para uso pessoal. O ministro considerou que a descriminalização somente seria possível se fossem definidas regras sobre como seria a oferta da droga legalizada. Ele também entende que a medida pode agravar problemas de saúde e segurança da população.
De acordo com o magistrado, a alteração do artigo 28 da Lei de Drogas foi feito com para despenalizar e não para descriminalizar o porte de drogas. Com isso, segundo ele, não seria possível, pela via judicial, alterar a determinação feita pelo Congresso Nacional.
“Não tenho dúvida de que os usuários de drogas são vítimas do tráfico e das organizações criminosas, mas se o Estado tem o dever de zelar pela saúde de todos, tal como previsto na Constituição, a descriminalização, ainda que parcial das drogas, poderá contribuir ainda mais para o agravamento desse problema de saúde”, declarou Zanin.
André Mendonça
O primeiro a votar em março deste ano, André Mendonça adiantou, logo no início da sua análise, que acompanharia a interpretação de Zanin. O ministro observou que há uma falsa consideração no senso comum de que a maconha não faz mal. Para o ministro, o uso do entorpecente é o “primeiro passo para o precipício”.
Mendonça também sustentou que a descriminalização do uso pessoal da droga deve ser feito pelo Legislativo. O magistrado indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sugeriu que a Corte proponha um prazo de 180 dias para fixar critérios objetivos para diferenciar o dependente químico do traficante e que, em caso de falta de uma resposta, seja fixada a quantidade de 10 gramas para tal.
“O legislador definiu que portar drogas é crime. Transformar isso em ilícito administrativo é ultrapassar a vontade do legislador. Nenhum país do mundo fez isso por decisão judicial”, disse Mendonça.
Kassio Nunes Marques
Acompanhando Zanin e Mendonça, Nunes Marques também endossou que a decisão deveria caber ao Legislativo. O ministro também observou que a maconha não afeta apenas o dependente químico, como também os familiares e a sociedade em geral.
Para ele, o objetivo do Congresso em criar o artigo nº 28 da Lei de Drogas foi a de afastar o perigo das drogas do ambiente social brasileiro.
“A grande preocupação da maioria das famílias brasileiras não é se o filho vai preso ou não. A preocupação é que a droga não entre na sua residência. Para isso, a lei tem hoje um fator inibitório. A sociedade brasileira precisa de instrumentos para se defender”, afirmou.
Dias Toffoli
O primeiro a votar nesta quinta-feira, 20, o ministro Dias Toffoli também negou o recurso que pode descriminalizar do porte de drogas para uso pessoal. Ao mesmo tempo, o magistrado exigiu que o Congresso e o Planalto criem, em até 18 meses, uma política pública que possa diferenciar o usuário do traficantes.
No início do voto, criticou os órgãos do Poder Público que, segundo ele, não tiveram coragem para legislar sobre o tema, “lavaram as mãos” e jogaram as responsabilidades para o STF.
De acordo com ele, a criminalização das drogas foi instituída com base em preconceito e xenofobia. Ele afirmou ainda que essa não é a “melhor política pública adotada por um Estado social democrático de direito”. O magistrado também exigiu a criação de um critério de diferenciação entre usuário e traficante, tendo em vista que a legislação atual não conseguiu cumprir o objetivo de “descriminalizar” a conduta do dependente químico.
“Estou convicto que tratar o usuário como um tóxico delinquente, aquele que é um criminoso, não é a melhor política pública de um Estado social democrático de direito”, afirmou.
Porém, Toffoli finalizou o voto afirmando que o artigo nº 28, por não exigir a prisão e a reclusão, não impõe a criminalização do uso de maconha para uso pessoal e, por isso, o texto é constitucional.
O ministro também destacou que o artigo nº 28 foi feito com o objetivo de educar os usuários de drogas, tratar os dependentes e punir severamente os traficantes.